Nos
últimos cinquenta anos, acompanhamos o avanço de transformações nunca ocorridas
em momento anterior. O acesso à
informação não é exclusividade a ninguém, novas tecnologias fazem parte do cotidiano,
principalmente no meio de adolescentes e jovens, não mais espaço para a
ingenuidade, estes estão mais afetos a essas inovações.
Desta
feita, invadiu nos últimos tempos, com mais vigor, o debate sobre a maioridade
penal, pugnando-se impor uma revisão deste
preceito constitucional. A
sociedade, acuada com os índices de violência brutal associadas a menores, começam a ter respeitáveis vozes defendendo a
diminuição da maioridade penal, mas grande parte dessa corrente a condiciona à
comprovação do desenvolvimento intelectual e emocional do adolescente entre 16
e 18 anos, adotando o sistema biopsicológico (ou biopsicológico normativo ou
misto), onde as pessoas nessa faixa etária necessariamente serão submetidas a
avaliação psiquiátrica e psicológica para aferir o seu grau de amadurecimento.
Ocorre
que não existe estrutura organizacional
para a realização desses exames. Em cada
crime ou contravenção praticada por adolescente nessa faixa etária, teria que
ser providenciada perícia
médico-psicológica para apurar a imputabilidade ou inimputabilidade, mesmo em
se cuidando de delito de bagatela. Isso atrasaria sobremaneira a instrução do
processo, congestionaria a rede pública de saúde e obstaria por completo a
entrega da prestação jurisdicional. De salientar que em grande parte das
comarcas do interior do Brasil não há profissionais habilitados para tal.
Haveria, então, necessidade de transportar os menores para centro maior,
aumentando os riscos de resgate, fuga, além de considerável ônus para o Estado.
A
situação é sistêmica, o cidadão comum não possui conhecimento suficiente para
analisar, por exemplo, se a Justiça combate eficientemente a criminalidade.
Fica
evidente a ideia de que os jovens de nossos tempos têm consciência de seus atos
e devem responder pelas infrações cometidas. Mas criar as medidas sócio-educativas, o legislador tentou dar um tratamento
diferenciado aos menores, reconhecendo neles a condição peculiar de pessoas em
desenvolvimento. Nessa linha, as medidas deveriam ser aplicadas para recuperar
e reintegrar o jovem à comunidade, o que lamentavelmente não ocorre, pois ao
serem executadas transformam-se em verdadeiras penas, completamente inócuas,
ineficazes, gerando a impunidade, tão reclamada e combatida por todos.
No
processo de sua execução, esta é a verdade, as medidas transformam-se em
castigos, revoltam os menores, os maiores, a sociedade, não recuperam ninguém,
a exemplo do que ocorre no sistema penitenciário adotado para os adultos.
A
questão, portanto, não é reduzir a maioridade penal, que na prática já foi
reduzida, mas discutir o processo de execução das medidas aplicadas aos
menores, que é completamente falho, corrigi-lo, pô-lo em funcionamento e, além
disso, aperfeiçoá-lo, buscando assim a recuperação de jovens que se envolvem em
crimes, evitando-se, de outro lado, com esse atual processo de execução,
semelhante ao adotado para o maior, que é reconhecidamente falido, corrompê-los
ainda mais.
Deveres constitucionais inaplicados
O
Estado, Poder Público, Família e Sociedade, (Art. 227 CF) que têm por obrigação garantir os
direitos fundamentais da criança e do adolescente (menores), não podem, para
cobrir suas falhas e faltas, que são gritantes e vergonhosas, exigir que a
maioridade penal seja reduzida.
Para
ilustrar, vejam quantas crianças sem escola (quase três milhões) e sem saúde
(milhões) por omissão do Estado; quantas outras abandonadas nas ruas ou em
instituições, por omissão dos pais e da família; quantas sofrendo abusos
sexuais e violências domésticas por parte dos pais e da família; quantas
exploradas no trabalho, no campo e na cidade (cerca de 7,5 milhões), sendo
obrigadas a trabalhar em minas, galerias de esgotos, matadouros, curtumes,
carvoarias, pedreiras, lavouras, batedeiras de sisal, no corte da
cana-de-açúcar, em depósitos de lixo etc, por ação dos pais e omissão do
Estado.
A
sociedade, por seu lado, que não desconhece todos estes problemas, que
prejudicam sensivelmente os menores, não exige mudanças, tolera, aceita,
cala-se, mas ao vê-los envolvidos em crimes, muito provavelmente por conta
destas situações, grita, esperneia, sugere, cobra, coloca-os em situação
irregular e exige, para eles, punição, castigo, internação, abrigo em
instituições.
Ora,
quem está em situação irregular não é a criança ou o adolescente, mas o Estado,
que não cumpre suas políticas sociais básicas; a Família, que não tem estrutura
e abandona a criança; os pais que descumprem os deveres do pátrio poder; a
Sociedade, que não exige do Poder Público a execução de políticas públicas
sociais dirigidas à criança e ao adolescente.
O
sistema é falho, principalmente o da execução das medidas sócio-educativas,
para não dizer falido, mas o menor, um ser em desenvolvimento, que necessita do
auxílio de todos para ser criado, educado e formado, é quem vem sofrendo as
conseqüências da falta de todos aqueles que de fato e de direito são os
verdadeiros culpados pela sua situação de risco.
Não
bastasse isso, o que, por si só, já é extremamente grave, pretendem alguns
reduzir a maioridade penal, tentando, com a proposta, diminuir sua culpa e
eliminar os problemas da criminalidade, esquecendo-se, porém, além de tantos
outros aspectos, que metade da população é composta de crianças e adolescentes,
os quais, contudo, são autores de apenas 10% dos crimes praticados.
Reduzir
a maioridade penal é reconhecer a incapacidade do Estado brasileiro de garantir
oportunidades e atendimento adequado à juventude
A
proposta de redução busca encobrir as falhas dos Poderes, das Instituições, da
Família e da Sociedade e, de outro lado, revela a falta de coragem de muitos em
enfrentar o problema na sua raiz, cumprindo ou compelindo os faltosos a cumprir
com seus deveres, o que é lamentável pois preferem atingir os mais fracos -
crianças e adolescentes -, que muitas vezes não têm, para socorrê-los, sequer o
auxílio da família.
A Família
E
falando da primeira instituição a qual todos temos contato, desde os tempos mais antigos, a família corresponde
ao grupo social que exerce marcada influência sobre a vida das pessoas, sendo
encarada como um grupo com uma organização complexa, inserido em um contexto
social mais amplo com o qual mantém constante interação. O grupo familiar tem
um papel fundamental na constituição dos indivíduos, sendo importante na
determinação e na organização da personalidade, além de influenciar
significativamente no comportamento individual através das ações e medidas
educativas tomadas no âmbito familiar. Pode-se dizer, assim, que esta
instituição é responsável pelo processo de socialização primária das crianças e
dos adolescentes. Nesta perspectiva, a família tem como finalidade estabelecer
formas e limites para as relações estabelecidas entre as gerações mais novas e
mais velhas, propiciando a adaptação dos indivíduos às exigências do conviver
em sociedade. A família é um sistema no qual se conjugam valores, crenças,
conhecimentos e práticas, formando um modelo explicativo de saúde/doença,
através do qual a família desenvolve sua dinâmica de funcionamento, promovendo
a saúde, prevenindo e tratando a doença de seus membros .
A
Constituição Federal de 1988 representou um marco na evolução do conceito de
família, em seu capitulo VII – Da Família, da Criança do Adolescente e do
Idoso, precisamente no artigo 227, caput, determina:
“É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
A
estruturação da família está intimamente vinculada com o momento histórico que
atravessa a sociedade da qual ela faz parte, uma vez que os diferentes tipos de
composições familiares são determinados por um conjunto significativo de
variáveis ambientais, sociais, econômicas, culturais, políticas, religiosas e
históricas. Nesse sentido, para se abordar a família hoje é preciso considerar
que a estrutura familiar, bem como o desempenho dos papéis parentais,
modificaram-se consideravelmente nas últimas décadas.
Portanto,
caso a proposta de redução da maioridade penal, se vingar, configurará um "crime
hediondo", praticado contra milhões de crianças e adolescentes, que vivem
em situação de risco por culpa não deles mas de outros que estão tentando
esconder suas faltas atrás desta proposta, que, ademais, se aprovada, não
diminuirá a criminalidade, a exemplo do que já ocorreu em outros países do mundo.
A
redução da maioridade penal será uma medida ilusória pois irá contribuir para que
tenhamos criminosos profissionais cada vez em idade mais precoce, formados nas
cadeias, dentro de um sistema prisional arcaico e falido.
O Estado
Dados
do Ministério da Justiça revelam o
número total de presos em penitenciárias e delegacias brasileiras subiu de
514.582 em dezembro de 2011 para 549.577 em julho de 2012. O número de pessoas
encarceradas no Brasil dobrou, segundo o Departamento Penitenciário Nacional
(Depen), órgão ligado ao Ministério, 34.995
pessoas foram presas no primeiro semestre daquele ano, enquanto foram criadas apenas 2.577 vagas
nas penitenciárias. No mesmo período do ano passado foram 17.551 detidos.
O
aumento do número de presos está fora de qualquer padrão já verificado no
Brasil. Para piorar a situação, até os últimos dias de 2012, somente 20% dos R$
435,2 milhões autorizados para o setor carcerário foram pagos, segundo dados do
Siga Brasil, sistema de informações sobre o orçamento público.
Segundo
levantamento feito a pedido da BBC Brasil pelo especialista Roy Wamsley,
diretor do anuário online World Prison Brief (WPB), nas últimas duas décadas o
ritmo de crescimento da população carcerária brasileira só foi superado pelo do
Cambodja (cujo número de presos passou de 1.981 em 1994 para 15.404 em 2011, um
aumento de 678% em 17 anos) e está em nível ligeiramente inferior ao de El
Salvador (de 5.348 presos em 1992 para 25.949 em 2011, um aumento de 385% em 19
anos).
Se a
tendência de crescimento recente for mantida, em dois ou três anos a população
carcerária brasileira tomará o posto de terceira maior do mundo em números
absolutos da Rússia, que registrou recentemente uma redução no número de
presos, de 864.197 ao final de 2010 para 708.300 em novembro dese ano, segundo
o último dado disponível.
"Por
mais esforço que o Estado faça, não dá conta de construir mais vagas no mesmo
ritmo", admite o diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen),
do Ministério da Justiça, Augusto Rossini.
Segundo
ele, o crescimento acelerado no número de prisioneiros no país é consequência
tão somente do aumento da criminalidade, mas também do endurecimento da
legislação penal, da melhoria do trabalho da polícia e da maior rapidez da
Justiça criminal.
O índice de reincidência no sistema prisional brasileiro, conforme dados oficiais
do Ministério da Justiça, chega a 60%, o que, em sua opinião, indica “claramente”
que se trata de um sistema incapaz de resolver a situação. Já no sistema de
adolescentes, por mais crítico que seja, estima-se a reincidência em 30%.
Um
dos maiores especialistas do mundo no tema, o finlandês Matti Joutsen, Diretor do Instituto Europeu para Prevenção e
Controle ao Crime (Heuni), órgão consultivo da ONU, , é possível que o aumento no número de prisioneiros
provoque um aumento na violência. "Os prisioneiros são geralmente soltos
na sociedade após alguns anos, e se não há tentativas efetivas de reabilitá-los
e de prepará-los para a soltura, eles estarão em sua maioria mais propensos a
cometer novos crimes", afirma. "Afinal de contas, por cortesia do
governo, eles acabaram de passar os últimos anos entre um grande número de
criminosos, formando novas alianças, aprendendo novas técnicas criminosas,
conhecendo novas oportunidades criminais e formando sua 'mentalidade
criminosa'", argumenta.
Para
ele, "quando os criminosos são soltos de volta para as favelas de São
Paulo, do Rio de Janeiro ou de qualquer outro lugar sem um trabalho, sem uma
casa e com perspectivas muito ruins, é muito provável que adotem novamente um
estilo de vida criminoso", diz.
Joutsen
observa que a superlotação e as condições precárias do sistema prisional
brasileiro tornam "praticamente impossível" a implementação de
qualquer programa de larga escala para promover a ressocialização dos presos.
"Como
você ensina uma profissão a uma pessoa, provê educação básica, promove valores
básicos e prepara ela para voltar à comunidade em liberdade, pronta para
encontrar um emprego, estabelecer uma família, encontrar uma casa e se adequar
à sociedade quando o governo já tem restrições em seus gastos e não há
aparentemente vontade política de gastar os recursos limitados com os
prisioneiros?", questiona.
Para
José de Jesus Filho, da Pastoral Carcerária, falta ao governo um plano para
reintegração social dos presos. "No final do ano passado, o governo
anunciou um plano de US$ 1,1 bilhão para a construção de 42,5 mil novas vagas
em presídios, mas não alocou nem um centavo para a ressocialização dos
presos", critica.
"O
que existem são apenas projetos-piloto, sem a dimensão necessária. Não é uma
política universal do Estado", afirma.
Para
ele, a função do encarceramento em ressocializar o criminoso está sendo deixada
de lado, e as prisões no país "são vistas mais como meio de vingança da
sociedade e de isolamento das populações mais marginalizadas".
Se
colocar adultos nas cadeias de um sistema falido não resolveu o problema da
violência, e essas pessoas voltam a cometer crimes após ficarem livres, por que
achamos que prender cada vez mais cedo será eficiente?
A Sociedade
Há
poucos investimentos financeiros e infra-estrutura para promover e elevar a
auto estima da juventude rural, periférica ou urbana. No período de 1998 e
2008, o número total de homicídios registrados em todo o Brasil passou de
41.950 para 50.113 jovens mortos. Segundo IBGE/2008, país contava com 34,6
milhões de jovens na faixa dos 15 aos 24 anos deidade, 18,3% do total dos 189,6
milhões.
As
informações estão no Mapa da Violência – Jovens do Brasil, pesquisa do
sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, realizada pelo Instituto Sangari, publicada
pelo Ministério da Justiça / Governo Federal.
Além
disso, o último Mapa da Violência (http://www.mapadaviolencia.org.br/
) indica que a questão a ser encarada do ponto de vista da política pública é a
mortalidade de jovens, sobretudo, dos jovens negros, e não a autoria de crimes
graves por jovens”, completou.
Segundo
o Mapa, de cada três mortos por arma de fogo, dois estão na faixa dos 15 a 29
anos. De acordo com a publicação, feita pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos
e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. As cidades metropolitanas
formaram periferias com aglomerados humanos sem infraestrutura, formada por
maioria de afro-descendentes. A juventude apresenta elevado índice de
violência, risco social e vive sem oportunidades.
Portanto,
muito longe de apresentar-se como uma falsa dicotomia, a discussão sobre os
menores no país passa por uma grande revolução nas bases institucionais, no
comprometimento constitucional destes e o marco legal de políticas públicas aos
jovens.